Mês de março está terminando. Eu achei que não ia escrever nada esse ano. Foi quase. Estou terminando o mês com um sentimento alto de frustração. Essa semana passei por duas situações de preconceito no trabalho que me frustraram muito.
Mas eu não quero falar sobre as minhas situações. Eu quero falar sobre o contexto em que elas acontecem, o quanto afetam o desenvolvimento profissional de quem sofre e de quem pratica o preconceito.
Tenho escrito artigos focados no mercado de trabalho e, nesse mês da mulher, pensando nas situações problema que eu passo ou ouço outras pessoas passarem, decidi escrever aqui.
Primeiro: eu presencio e sofro preconceito de diversos tipos, não só por ser mulher. São situações diversas que envolvem raça, conhecimento técnico, sexualidade, posição de poder na hierarquia.
Eu também sofro preconceito devido ao fato de ter me afastado da raiz técnica da minha profissão e ter seguido o caminho de gestão. Sim, eu sei por relatos que algumas pessoas não me veem com respeito porque eu deixei de ser desenvolvedora e trilhei a carreira na área de negócios. Hoje sou Gerente de Produtos. Alias, essa pessoa nunca conversou comigo e perguntou sobre meu passado e acredito que nem saiba do meu conhecimento técnico.
Eu já presenciei inúmeras situações onde eu percebi que uma pessoa negra era avaliada com grau de exigência maior do que uma pessoa branca. Ou uma mulher que desejava seguir a área técnica sendo empurrada para a área de gestão de negócios. Ou um PCD que é sempre considerado alguém que precisa ser capacitado.
Uma pesquisa no Linkedin apontou que a mulher só se candidata para uma vaga se ela possui 100% dos requisitos, enquanto que um homem se candidata mesmo tendo um percentual bem menor. Isso demonstra um ciclo vicioso no mercado, e, agora vou focar somente no caso da mulher:
- A mulher sente que não pode estar aquém das exigências
- A mulher é intimidada em inúmeras situações para estar completamente correta e saber tudo de cor
- Isso leva a mulher a estudar com muita dedicação e completamente todos os assuntos da sua profissão
- Quando ela se candidata a uma vaga, geralmente ela é uma das mais preparadas e consegue a vaga
- No time em que ela vai trabalhar, todos sabem que ela tem todos os requisitos da vaga
- Isso intimida os homens que não tem todo o conhecimento que ela tem
- Esses homens, inconscientemente, criam cenários de intimidação dessa mulher que fazem com que ela tenha dificuldade de colocar sua opinião nas mais diversas situações
Quando uma mulher, que vive esse cenário, percebe-se numa situação de preconceito, muitas vezes o seu primeiro pensamento é de que está exagerando e de que não é uma situação de preconceito. Se ela insiste e leva a questão a um líder, existe a possibilidade do líder também achar que é exagero. Afinal, se eles tivessem preconceito contra mulheres ela nem estaria ali, não?
Pois é. Nem sempre. E isso demonstra, na minha opinião, o machismo estrutural. Muitos homens não sabem lidar com uma mulher em uma mesa de reunião. E adotam uma postura condescendente ou dominadora. Sinceramente, não sei qual é a pior.
Eu vou terminar esse post sem opiniões, mas com muitos exemplos de situações que eu já vivi ou que alguém próximo a mim já viveu. São muitas e espero lembrar das mais significativas. Sei que muitas pessoas se identificarão e eu sinto uma tristeza profunda em saber disso. Se você ler e se identificar me conta, por favor?
Eu gostaria muito de ajudar a resolver, não todo o problema do machismo estrutural porque acho que é um trabalho gigantesco que não conseguirei sozinha, mas alguns pequenos comportamentos que, em alguns anos, podem ter um impacto gigante nas novas gerações. Vou me permitir postergar para outro momento sobre falar de ações que eu já faço para tentar mudar a situação para mim e para as mulheres que também convivem com essas situações.
- Para expor uma opinião, tenho que estar extremamente preparada com muitos argumentos, contra-argumentos, exemplos. Se tiver algum homem que possa me apoiar, facilita muito.
- Sou constantemente interrompida nas reuniões quando estou falando, antes de eu terminar de expor minha ideia.
- Quando coloco a minha opinião, ela é recebida com um comentário “fofo” que muda totalmente o assunto do grupo.
- Quando coloco a minha opinião, ouço coisas tipo “acho melhor não”. Parece que ouviram o que eu disse, mas não ouviram.
- E na semana seguinte, ou até mesmo alguns poucos minutos depois, um homem fala exatamente o que eu disse e é ovacionado.
- Sou criticada por não participar das reuniões.
- Eu procuro minha liderança sobre uma situação tóxica no time e me dizem que é coisa da minha cabeça.
- Eu sou conhecida como referência em um assunto, mas ninguém me procura para pedir ajuda sobre o tema que eu domino.
- Sou criticada por ser grossa ou ter uma postura muito masculinizada (impositiva, firme, objetiva).
- Sou criticada por ser muito emotiva.
- Sou criticada por falar de forma muito suave ou que meu tom de voz é muito baixo.
- Sou criticada pela forma como me visto.
- Sou criticada por não almoçar todos os dias com o time.
- Sou criticada por não ter agenda disponível.
- Sou criticada por não sair no horário pois tenho que buscar meu filho na escola.
- Sou criticada por ser solteira.
- Sou criticada por ser casada e não estar disponível para viagem a qualquer momento.
- Já recusei uma oferta de participar de um grupo de ação contra preconceito porque senti que era para cumprir uma meta corporativa, mas não tinha real intenção de mudar a situação.
- Aviso por dias que uma determinada ação precisa ser executada ou uma crise pode acontecer e não recebo atenção até que eu envolvo na situação um homem, geralmente numa escala de poder superior a minha.
- Preciso pensar muito antes de levar um feedback sobre um homem que me tratou com preconceito, polindo as palavras e tirando do discurso qualquer menção à questão do machismo, porque se o machismo surgir na conversa, meu feedback perde a validade.
- Sou alvo de piadas machistas nos corredores, café ou reuniões.
- Recebo feedback de que me posiciono muito bem perante ao cliente, mas quando estou trazendo um relato sobre o ambiente de preconceito, ouço que tenho dificuldades em me expressar.
- Já me questionei se a minha roupa, maquiagem ou corte de cabelo influenciou uma decisão de promoção.
- Já me questionei se minha idade influenciou uma decisão de promoção.
- Já me questionei se a minha postura estava inadequada porque não fui ouvida em uma reunião.
- Já inventei uma desculpa para não participar de uma reunião que eu senti que seria tóxica para mim.